sábado, 22 de outubro de 2011

Ditadores árabes enfrentam destinos cada vez mais extremos

Kadafi foi o primeiro líder deposto pelos levantes da Primavera Árabe que acabou morto, refletindo peculiaridade do caso líbio

Com a queda de déspotas árabes a um ritmo sem precedentes desde janeiro, uma ampla gama de opções para os seus fins foi testada. A sangrenta morte do líder da Líbia, Muamar Kadafi, se tornou a mais violenta de todas.



"O Kadafismo era uma espécie de culto", disse Juan Cole, professor de História da Universidade de Michigan, ao descrever a última ofensiva contra Kadafi na sua cidade natal de Sirte como o ato de fanáticos. "Eles mantiveram a calma, determinados a morrer. Essa é a sua verdade contra o mundo do mal."
Mesmo antes das revoluções, é claro, Saddam Hussein havia prometido lutar até a morte. Mas o homem forte do Iraque acabou se escondendo no subsolo, em um buraco onde foi encontrado antes de ser enforcado em 2006 depois de um julgamento de resultado predeterminado.
Zine El Abidine Ben Ali da Tunísia, o primeiro presidente forçado a sair do poder pela indignação popular este ano, em janeiro, escolheu o exílio na Arábia Saudita, onde a família governante aceita virtualmente qualquer muçulmano. (Lembre-se de Idi Amin da Uganda). Mas essa é uma opção difícil para alguém acostumado a ser o centro das atenções – Ben Ali não se pronunciou desde então.
O presidente Hosni Mubarak do Egito decidiu ficar e lutar nos tribunais. Mas agora ele se arrisca a ser lembrado em uma maca em uma gaiola de metal, tendo como parte de sua defesa que ele está doente demais para sofrer a indignidade de um julgamento.
Entre os restantes autocratas sob cerco da Primavera Árabe, os presidentes Bashar Al-Assad da Síria e Abdullah Ali Saleh do Iêmen estão lutando para se manter no poder. Assad primeiro tentou negociar concessões, mas logo abandonou qualquer pretensão de compromisso e suas forças de segurança mataram pelo menos 3 mil manifestantes. Saleh quase deixou o cargo em um ataque a bomba, mas sobreviveu com queimaduras graves e buscou tratamento na Arábia Saudita.
Não está claro que lição eles aprenderam da queda e morte de Kadafi.
Sua morte não aconteceu exatamente como o previsto, mesmo que ele tenha prometido lutar até a morte. Vídeos divulgados mostram detalhes horríveis de um Kadafi encharcado de sangue e despenteado.

Muitos esperavam que ele passaria anos atravessando o vasto deserto da Líbia em uma frota de veículos utilitários pretos, operando uma contra-revolução. "Teria sido mais consistente com a maneira como as pessoas o viam tê-lo encontrado no Níger ou na fronteira, entrando e saindo", disse Rob Malley, diretor do programa do Médio Oriente no International Crisis Group.
Não há maior glória no Islã do que morrer por uma causa justa, como um "mártir", ganhando acesso direto ao paraíso.
Os estudiosos de Al Azhar, a antiga sede de aprendizado sunita muçulmana localizada no Cairo, anteciparam que Kadafi ou seus acólitos iriam tentar alegar isso, portanto divulgaram uma fatwa esse mês dizendo que ele não receberia tal honra. Um mártir morre defendendo sua religião e sua nação, os religiosos explicaram.

Sem dúvida, alguns dos membros de sua família e seguidores mais dedicados sobreviventes ainda vão rotulá-lo um mártir. Mas muitos esperam que o lado mais sombrio do legado de seu governo de um homem só será lembrado por muito tempo depois que a maneira de sua morte tiver sido esquecida.
"Acho que a história de Kadafi é tão sombria que é muito difícil que ele tenha qualquer conotação honrosa por causa de sua morte", disse Mohamed el-Kheshen, professor de Direito na Universidade do Cairo.
O clima nas ruas de Cairo, como em Trípoli, na Líbia, e muitas outras cidades árabes, foi de comemoração, com carreatas buzinando por muito tempo durante a noite. Sites como Twitter e Facebook foram tomados por comentários que comemoravam a sua morte, com poucos lamentos por Kadafi não chegar a enfrentar o tipo de julgamento que costumava usar para humilhar tantas pessoas.
A Líbia "nos privou do que teria sido o mais engraçado julgamento da história", uma pessoa escreveu no Twitter. O comentário de Nawara Negm, um ativista egípcio, foi menos contido: "Graças a Deus, a morte é o mínimo que pode acontecer a você Kadafi, seu cão assassino."
Um dos links mais populares da web mostra um desenho animado com um homem segurando uma lata de tinta vermelha depois de ter pintado X vermelhos sobre imagens de Ben Ali, Mubarak e Kadafi. Os próximos dois na parede, Saleh e Assad, olham para baixo com expressões de choque e medo conforme o homem com a tinta – que foi batizado de "ash-shab", ou o povo – se aproxima.
Walid al-Tabtabai, um membro do Parlamento do Kuwait, escreveu no Twitter: "Ben Ali fugiu, Mubarak foi preso, Saleh foi queimado e Kadafi foi morto: perceba que o destino dos ditadores está cada vez mais extremo. Eu me pergunto que destino sombrio aguarda a Bashar?"
Houve dúvidas sobre a possibilidade da morte de Kadafi encorajar Assad, Saleh e outros autocratas a usar mais força contra seu povo.
"Para os ditadores árabes, isso mostra que qualquer quantidade de pressão que coloquem sobre seu povo, será respondida igualmente e que eles já não podem mantê-la de forma indefinida", disse Yuseff Assad, especialista em Líbia.
Apesar da tendência de agrupar todos os ditadores árabes, eles são específicos em suas circunstâncias e Kadafi talvez seja o mais singular de todos, na medida em que ficou tempo suficiente no poder para alienar quase todos em seu país. (Ele não poderia, por exemplo, reunir amigos o suficiente para afastar a campanha de bombardeios da Otan sancionada internacionalmente, ainda que controversa.)
Se a morte de Kadafi for lamentada em algum lugar, será na África, onde ele comprou amigos por toda parte. Em Bamako, a capital de Mali, um novo campus de prédios do governo leva o nome de Kadafi e todos os hotéis de luxo pertencentes a líbios anunciam sua origem com o gigantescos sinais de néon verde nos andares superiores.
Em última análise, no entanto, muitos pensam que o verdadeiro legado da queda de Kadafi – e daqueles que o precederam e daqueles que virão depois – é que o povo árabe mudou.
"A verdadeira lição aqui é que há uma nova onda de política popular no mundo árabe", disse Cole, da Universidade de Michigan. "A população não têm mais vontade de aguentar ditadores genocidas."



http://tvig.ig.com.br/id/8a49802632f3ab5b0133224313eb0c62.html

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